In the Rain

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Olhar para o passado... tentando descobrir o futuro. Isso serve para alguma coisa?
Não há respostas e as perguntas se desfazem no ar.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Eu não sou obrigada a mudar a todo o instante. A sua figura se tornou ausente, você foi morrendo aos poucos, eu também deixei a sua figura morrer. Desta vez não posso fazer nada, na verdade eu nem quero fazer nada. Não estou disposta a acordar e falar com você com aquele sorriso falso, acho que você também não quer isso. Tem horas que a gente se cansa. Não agüento mais as mesmas piadas, não agüento mais esse seu espírito de ensinar, não agüento mais te que concordar com tudo o que você diz. Me desculpe, com toda a sinceridade do mundo, mas se você está cansado da minha frieza saiba que ela foi progressiva. Eu não me tornei assim da noite para o dia, todos nós vimos a mudança ocorrer, todos nós passamos pelas mesmas coisas.
Eu nunca te mostrei um texto que eu escrevi, nem você nunca procurou ler. As coisas não são desta forma, essas conversas não nos tornam mais amenos, talvez deixem o clima da casa com um cheiro mais falso e mais moderno. Eu cansei de brigar, cansei de insistir, cansei e cansei. Você também deve ter cansado de outras coisas. Ainda tenho uma outra imagem sua guardada na minha infância. Imagem de uma pessoa que já não existe mais, pelo menos não que eu tenha visto.
E todos esses anos passados ficam perdidos nos anos passados. Não há como recuperar aquilo que já foi e para corrigir o problema a gente demora tempo demais. Relacionamento que se recupera rápido é apenas fachada. Aos poucos, cansei de falar e não ser ouvida, hoje não tenho mais vontade de falar, não tenho o que falar, tenho, às vezes, receio de falar. Algumas coisas se tornam insuportáveis, isso costuma ser mútuo. Desta vez eu não estou disposta a mudar, talvez por isso não haja como resolver o problema. Eu não quero tentar de novo, porque a cada tentativa eu fico mais decepcionada, a cada decepção eu fico mais fria.
Talvez um dia você leia isso, quando nem se lembrar mais de quando foi a última briga. Não pretendo abandonar tudo e ir para longe, mas sem perceber eu já fiz isso.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

É antigo, tive que lê-o ontem, fiquei com vontade de republicar.

Solidão


Naquela madrugada Marcel acordou chorando, parecia que ia explodir o peito. A mãe levantou calma, deu o seio à criança, que foi aos poucos adormecendo no leito maternal. Depois de pô-lo no berço e olhá-lo dormir saiu tranqüila para seu sono.
O quarto ficou vazio, silencioso, só havia o vento batendo de leve na janela num tom gostoso. O bebê sentiu consumir dentro de si a solidão, chorou, quieto e incessante. Sem ruídos explodiu os pulmões berrando até lhe faltar ar, até não haver mais lágrima. Via fantasmas, tinha medo. Figuras corriam pela noite, e ele sozinho no meio delas.
Passaram-se anos, cresceu numa infância de poucas frases e amigos. Teve brinquedos e festas de aniversário, mas ganhava poucos presentes e muitos convidados. Quando lhe abatia a solidão, quase toda a noite, corria para abraçar a mãe que carinhosa lhe acariciava os cabelos e dizia "já passou", daquele jeito que só as mães sabem fazer. Punha-o na cama e com um sorrir angelical apagava a luz, para que ele dormisse com os anjos. O menino apenas via imagens no escuro, os anjos gargalhavam maléficos enquanto subiam pelas paredes... Ele, sozinho em meio àquilo tudo.
Marcel era do tipo bom em tudo... e não tinha nada. Na escola: ótimo aluno, exemplo de disciplina e educação, desastre em beleza e convivência. Poucos colegas, frases curtas, palavras monossilábicas. Raciocínio baixo, idéias vagas em meio a tanto saber e notas boas; não falava as dúvidas nem expunha o que pensava.
Mesmo quando mais velho, temia andar sozinho à noite, pois a solidão quase eterna com a qual convivia trazia as criaturas que compunham os medos de sua mente e musicavam frases ameaçadoras.
O tempo passou, mudou de escola e de vida. Manteve seu brilho apagado, sua feiura e olhos medrosos. Mas agora havia passado de estranho para tímido e aprendeu a sorrir de verdade também. Tinha, às vezes, pesadelos e solidão, porém aprendeu a se cuidar e a contornar tudo aquilo. Venceu lutas e suas boas notas o permitiram passar na prova mais concorrida do melhor curso do país. Houve festa, 18 anos, tanto talento, um exemplo. Até o pai, eterno viajante, fez questão de prestigiar o filho. Trouxe uma corrente de prata, com um belo pingente onde havia as inicias do filho gravadas. Marcel olhou, sorriu, chutou o abdômen do pai e cuspiu. "Tantos anos de solidão e nem pra ser de ouro". Saiu andando, bateu a porta com força, fazendo um estrondo tão alto quanto o grito louco que sua alma deu. Caminhou sozinho naquela noite, e o vento torturava seus sentidos. Entrou no supermercado, observou seu reflexo no vidro azulado que revestia as portas. Ao ver-se do outro lado do espelho teve vontade de acabar com tudo. Não podia, deu um soco no vidro, que não quebrou mas feriu a mão dele. Em seus olhos residia a fúria, responsável por Marcel não chorar uma vez sequer.
Passou algum tempo, pediu desculpas ao pai, voltou ao normal, nada havia ocorrido. Acordou cedo naquela manhã nova, fez a barba, perfumou-se, deu bom dia à mãe alegre.. Onde vai meu filho tão bonito? A resposta veio com um sorrir gostoso. "Tenho que sair bem na foto, hoje vou mudar o mundo" Naquele dia pôs inclusive a melhor roupa, andou sorrindo em passos calmos. Carregava consigo uma valise nova. Sentou na praça, no centro da cidade. Olhou ao redor, as faces apressadas das pessoas, tanta gente passando e ele ali sozinho. Marcel analisou os gestos de cada um: as caras cansadas, as tristes, os sorrisos falsos, as diferentes vozes, todas elas. Olhou para si e viu no mundo uma série de problemas, viu a transparência em cada forma viu que não era o único infeliz.
Calmamente abriu o paletó, ajeitou-o no corpo. Abriu a valise e apreciou seu brinquedo, uma mini metralhadora, nos quais os tiros voaram para alvos incertos. Recarregou, outra rajada, outra vez - sorria . Os que tentaram detê-lo foram atingidos com mais serenidade.
Seguiu em direção a uma loja, olhou para seu reflexo no espelho, desferiu um golpe forte que machucou a mão. Sentiu os olhares sobre si, revolta, xingamentos. Andou por entre os corpos, aproximou-se de uma mulher que chorava diante do corpo de uma amigo e perguntava por quê ele tinha feito aquilo. Chegou bem perto dela, espancou-a com todo o cuidado até que caísse desacordada. Aproximou-se de seu rosto e respondeu triunfante: "Vim libertá-los da solidão".

1/6/2004