In the Rain

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Clarice 2.0. Com algumas alterações.

Clarice e o medo do escuro.




Pequenina e medrosa era Clarice, e quando criança a brisa da noite lhe era assustadora. As criaturas que tem medo da luz saem à noite de seus esconderijos para se alimentar da carne infantil, pensava ela tremendo por baixo dos cobertores. Por isso, Clarice não dormia e aprendeu que o mundo à noite sempre lhe seria um lugar completamente diferente.

Clarice tinha muito medo dos monstros que moravam em seu quarto e lhe falavam ao pé do ouvido. Clarice aprendeu, com o passar do tempo, que ela poderia ter amigos para protegê-la enquanto fosse noite, mesmo que à luz do dia eles fossem apenas desenhos seus, vivos em folhas de papel.

Enquanto havia sol, Clarice não fazia mais do que desenhar. Entretanto, à noite, ela tinha muitos e muitos amigos para ajudá-la a combater as criaturas que moravam em seu quarto.
Por noites e noite houve batalhas, mas… por quanto tempo Clarice poderia apenas ser uma criança desenhista? Por quanto tempo ainda lhe seria permitido temer dos monstros da noite?

O tempo passou, as pernas de Clarice já quase não cabiam na cama estreita e mesmo adulta ela não conseguia sair de casa quando a lua brilhava no céu. “Eu? Eu volto para ajudar as criaturas que protegem o mundo” “Se é perigoso? Claro, muito!” O mundo não estava preparado para Clarice nem ela jamais estaria preparada para ele.

Aos poucos, Clarice aprendeu que desenhando se poderia ganhar alguma dinheiro e sobreviver à sua maneira, mas o mundo nem de longe poderia aprender que o medo de Clarice não era uma de suas mentiras. Clarice, em partes, tentou ir ao médico, ao psicólogo, ao psiquiatra e a qualquer coisa que lhe pudesse expulsar os monstros de seu quarto. Mas nenhum deles pôde perceber que aquela não era outra de suas mentiras.

“Vai haver um dia, que você se tornará uma de nós” Clarice arregalou os olhos num pulo e ainda teve tempo de vê-lo, quando a voz maldosa e dotada de assustadores olhos vermelhos plantou essas palavras na alma dela. Naquele dia Clarice acordou aos prantos. O que poderia ela fazer? Poderiam seus amigos em desenhos ajudá-la?
O tempo correu um poucos mais e dia após dia os montros ficavam cada vez mas espertos e Clarice, probre dela, restava mais triste a cada nova manhã.


Mas um dia, de repente, Clarice decidiu: “Tudo não passa de um ilusão da minha mente! Hoje eu vou chegar em casa depois do pôr do sol!”
O dia se foi e Clarice ficou roeu as unhas até que se visse a caene. “Os monstros em meu quarto” pensava a cada segundo.
Clarice sentou-se no chão de qualquer lugar e deixou que seu corpo fosse para e para trás num movimento constante que pareceu lhe deixar mais tranquila.
As horas correram e pela primeira vez Clarice chegou em casa somente quando não havia mais qualquer raio de sol no céu.
Pisando em ovos Clarice aproximou-se da entrada e ao pé da porta percebeu gotas um rastro vermelho vivo. Ela deu mais alguns passos e aos poucos seus olhos se encheram de desespero. A porta não estava completamente fechada, mas Clarice tinha certeza de que havia passado a chave antes de sair.
Na sala, sob seus pés avistou os pequenos corpos de todos os tipos de criatura que algum dia foram parte de seus desenhos, assim como, espalhadas por toda a casa, as partes arrancadas daqueles monstros aterrorizantes. Tudo ali se tornara pedaços e mais pedaços de papel rasgado e não houvera criatura que restasse viva.

“Que foi que eu fiz?” Clarice disse com lágrimas nos olhos. “que eu fiz?...” Ela sentou-se no chão e com as mãos tremulas tentou remontar os pequenos padaços de papel, mas seria impossível agrupá-los outra vez. Clarice chorou sobre todos eles toda a noite, tentando ainda achar as partes de cada um de seus desenhos.
Aos poucos sua esperança se foi e somente quando a última lágrima escorreu ela pôde finalmente escutar a voz rouca que há muito lhe falava no fundo da alma. “Seja bem vinda, pequena Clarice. Você agora é nossa irmã e nós estamos muito orgulhosos de sua consideração.”
Aos poucos a rouca voz do se desfez e a luz se esvaiu, levando junto consigo a alma, os pedaços, e qualquer fragmento de medo que pudesse ainda restar no coração de Clarice.