In the Rain

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

A Fortaleza


- Não, ele não vai; - Era a última tentativa - e por favor, meu filho, não me faça repetir outra vez o porquê. - Ainda procurou uma brecha, um vacilo qualquer para encaixar outro argumento. Não havia jeito. Era não e ponto final. A resposta estava pronto antes mesmo da pergunta ser feita.
- Mas mãe, faria tão bem ele sair e tomar um sol... - O olhar dela engoliu qualquer expectativa. Era não e seria sim somente se ela quisesse.

* * *

- Você não pode e não vai. Quando se casar, peça a seu marido que deixe. - Estava atada e quando soltou-se das rédeas do pai o marido lhe colocou os grilhões. Ela só queria ser dona de si às vezes, viajar de vez em quando, passear aos domingos, conversar com quem quisesse.
- Tás louca? - Era a resposta do marido - Cada idéia que te botam. - Os olhos dela ferviam de lágrimas mas não chorava, não precisava de dó para conseguir o que quisesse.
Um dia ela pensou em fugir. Era nova, bonita, arrombaria o cofre, guardaria umas mentiras na mala, pediria ajuda a uma amiga. Mas tinha mãe, irmãos, medo. O marido ela escolhera e não era de todo o mal. Severo, mas carinhoso como nos sonhos de qualquer menina.
Em meio às dúvidas fez a mala rápido e chorou por cima dela. Não foi embora naquela noite nem em todas as outras em que ele tocou-a por baixo do vestido. A mala, empoeirada e perdida no meio do guarda roupa, só esvaziou quando a barriga encheu.
- Por favor, eu não lhe peço mais nada. - Ela nunca desistiu.
- Sabes que eu te amo, é por isso que não deixo.
- E que mal há?
- Que diriam de ti? Não vai, está postulado. - Ela ainda bateu de frente um milhão de vezes, quase todas em vão.
Na infância dos filhos chorou de amor. Conforme eles cresciam brotava nela amargura e raiva. Da noite para o dia as lágrimas cessaram e ela se conformou. Nunca mais pediu nada nem tocou no assunto que gerava discussões. Juntou dinheiro e quando podia comprava suas coisas.
O marido ainda procurou-a como mulher. Ela decretou que o filho mais novo faria a faculdade que quisesse e assim que ele fosse embora separariam as camas. Nunca mais se tocaram. Ele não tentou, ela não permitiria.
Discutiam, mas não eram de dar escândalos. Ele apenas olhava feio, ela retrucava em silêncio. Cada briga emagrecia a velha lembrança de um homem sereno, jovem e compreensivo com quem namorara e casara.
Em camas separadas ele passou a beber com mais freqüência e a esquecer que tinha casa. Por fim, as diferenças e a velhice desaqueceram as conversas.

* * *

- Mãe, a gente não sabe o que pode acontecer com o pai. Daqui pra frente...- Ela pediu o silêncio e abraçou suas crianças.
- A gente faz o que pode por ele. - Respondeu num tom baixo. Naquela noite voltou para casa frígida. Ninguém a viu chorar, gritar, nada.
Quando ele saiu do hospital a casa esvaziou de vez. Os filhos ficaram restritos à superficialidade das receitas médicas. As visitas eram regadas à bolachinhas, cafés, conversas cotidianas e dicas medicinais. Ela fechou as portas e tomou as rédeas. O chão impecável, a louça brilhando, o cheiro de rosas, os sorrisos, os cuidados todos, o direito de ir e vir, tudo a seus pés.
Não aceitou ajuda, pagou suas contas, arrumou sua vida. Era dona de si. Deixava o marido amarrado se preciso mas não queria saber de ninguém dando opinião. Foi forte, foi grande, foi única. A última palavra sempre sua, sem argumento ou discussão.
Ele ficou enfurnado em casa e só sairia mediante autorização dela. À força teve de esquecer das festas de aniversário, do aroma álcool, do sabor do tabaco. Esqueceu da liberdade, da libertinagem, e o antigo poder deslizara para outra mãos.
Conforme já era esperado ele fez seu último passeio ao hospital. Morreu sem cerimônias. Ela voltou para sua casa num silêncio mórbido. Desabou em lágrimas, bateu na mesa, dormiu sobre as fotografias. Seu desespero ficou escondido dentro de um quarto escuro e suas lágrimas morreram sob uma carapaça de pedra.
Enfim a total soberania, perdida na consciência tranqüila, nas saudades e no choro seco - nem amargo nem ameno - de uma mulher que apenas quis por instantes voar.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Algumas vezes o mundo dá voltas. Na verdade ele sempre gira para um mesmo rumo além do que podemos compreeender.
Ninguém se importa com nada, somos todos iguais achando que somos diferentes. Eu também sou assim: chata, mentirosa e inacessível; tão displecente e desligada de todas as coisas que amo. Isso porque o mundo sempre gira, numa loucura que me faz fingir ser aquilo que sou não sou. Você deve me achar louca, saiba que eu também penso assim.