In the Rain

quarta-feira, 2 de junho de 2004

Solidão



Naquela madrugada Marcel acordou chorando, e parecia que ia explodir o peito. A mãe levantou calma, deu o seio à criança, que foi aos poucos adormecendo no leito maternal, adormecendo. Depois de pô-lo no berço e olhá-lo dormir, saiu tranqüila para seu sono.
O quarto ficou vazio, silencioso, só tinha o vento batendo bem de leve na janela num tom gostoso. O bebê sentiu consumir dentro de si a solidão, e chorou, quieto, e incessante, sem ruído explodiu os pulmões berrando até lhe faltar ar, até não haver mais lágrima. Via fantasmas, tinha medo, figuras corriam pela noite, enquanto ele em meio delas estava sozinho.
Passaram anos, crescer, e a infância foi de poucas frases e amigos. Teve brinquedos, festas de aniversário, mas ganhava poucos presentes e muitos convidados. Quando lhe abatia a solidão, quase toda a noite, corria para abraçar a mãe. que carinhosa lhe acariciava os cabelos e dizia já passou, punha-o na cama e com um sorrir angelical apagava a luz para que ele dormisse com os anjos. Mas os menino apenas via imagens, no escuro, e os anjos gargalhavam maléficos... e ele sozinho em meio àquilo tudo. Marcel era bom em tudo... e não tinha nada.
Na escola bom aluno, exemplo de disciplina e educação, desastre em beleza e convivência. Poucos colegas, frases curtas, palavras monossilábicas. Raciocínio baixo, idéias vagas em meio a tanto saber e notas boas; não falava as dúvidas nem expunha as idéias.
Mesmo quando mais velho, temia andar sozinho à noite, pois a solidão quase eterna com a qual convivia trazia as criaturas que compunham medos em sua mente, musicavam frases ameaçadoras.
O tempo passou, mudou de escola e de vida, continuava com seu brilho apagado, sua feiura e olhos medrosos. Mas agora havia passado de estranho para tímido e aprendeu a sorrir de verdade também. Tinha as vezes pesadelos e solidão, mas aprendeu a se cuidar e contornar tudo aquilo. Venceu lutas e suas boas notas o permitiram passar na prova mais concorrida do melhor curso do país. Houve festa, 18 anos, tanto talento, um exemplo, até o pai que viajava sempre fez questão de prestigiar o filho. Trouxe uma corrente de prata, com um belo pingente onde havia as inicias do filho gravadas. Marcel olhou, sorriu, e chutou o abdômen e cuspiu. " Tantos anos de solidão e nem pra ser de ouro". Saiu andando, bateu a porta com força, fazendo um estrondo tão alto quanto o grito louco que sua alma deu. Caminhou sozinho naquela noite, e o vento torturava sua solidão. Entrou no supermercado, e ficou evndos eu reflexo no vidro azulado que revestia as portas. Ao ver-se ali, do outro lado do espelho teve vontade de se enforcar. Não podia, deu um soco no vidro, que não quebrou, e sob seus olhos havia fúria, e foi esta a responsável por Marcel nunca chorar na vida.
Passou algum tempo, pediu ele desculpas ao pai, voltou ao normal. Acordou cedo naquela manhã nova, fez a barba, perfumou-se, deu bom dia a mãe alegre.. Onde vai meu filho tão bonito? e a resposta veio com um sorrir gostoso. "Tenho que sair bem na foto hoje vou mudar o mundo" Naquele dia pôs inclusive a melhor roupa, andou calmamente pelas ruas, sorrindo, carregava consigo uma valise. Sentou na praça, no centro da cidade, olhou ao redor, as faces das pessoas, tanta gente e ele ali sozinho. Marcel analisou as reações de cada um, as caras cansadas, as tristes, os sorrisos falsos, as diferentes vozes, todas elas. Olhou para si, e viu ali no mundo uma série de problemas, apenas no olhar de cada ser humano.
Calmamente abriu o paletó, ajeitou-o no corpo, abriu a valise e apreciou seu brinquedo, uma mini metralhadora, nos quais os tiros foram para alvos incertos, desde que fossem pessoas. Recarregou, outra vez, estava sorrindo. Quem tentou detê-lo foi atingido com mais alegria.
Ele olhou para si, num reflexo no espelho, e desferiu um golpe machucando sua mão. Sentiu os olhares sobre si, revolta, xingamentos. Ele andou por entre os corpos, e aproximou-se de uma mulher que perguntava por quê? diante do corpo de um amigo. Chegou bem perto dela, espancou-a, até que caísse desacordada. Quando finalmente desmaiou ele respondeu triunfante: "Vim libertá-los da solidão".

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]



<< Página inicial