In the Rain

quarta-feira, 21 de abril de 2004

Conto de Outono


Folhas formavam um tapete pelo chão da clareira. Havia brisa típica naquela tarde de outono levemente nublada. As árvores, nuas, eram sombrias e deixavam uma aparência meio que tenebrosa ao ambiente.
Estava sentada, olhando sozinha para o nada, era como se a paisagem a sua frente fosse nula. O horizonte era mais longe para aqueles olhos serenos que a vestiam. Um olhar calmo, viajante, que nem entendia os próprios pensares. As vestes que a envolviam eram nubladas como o céu.
Foram-se uma, duas, três rajadas de vento, que fizeram as folhas amontoarem-se ali próximas ao horizonte. De trás da folhagem ia surgindo, pela colina, um jovem encapusado que trazia em mãos uma corrente.
Ao sentir a aproximação ela levantou-se, a brisa soprou afiada, cortando-lhe o rosto.
- Que há? Posso saber que ventania o traz? - Ele esticou a corrente com as mãos.
- Vim prende-la
- A mim? Mas que mal fiz para merecer tamanho castigo?
- Não dou respostas, nem entendo perguntas, sei apenas agir. - Ele puxou-a fortemente pelos braços, ela nem fez muita questão de fugir ou se defender; fechou os olhos, sofreu sozinha, cedeu fácil, cedeu em seu choro dentro da alma. Ele acorrentou-lhe os pulsos e jogou-a sobre o amontoado de folhas.
- Chegou a sua vez de pagar - Saiu andando
Ela chorou, muito, por dias sem fim. Sabia que um dia a vingança chegaria para ela, e sabia que ele cumpriria a promessa.
A prisão durou quatro longas estações. Era outono novamente, ela tinha já as lágrimas secas, os olhos levemente caídos, era já magra e fraca, as correntes haviam lhe corroído quase que por completo a pele dos pulsos.
Na mesma tarde um jovem descansava sob a mesma árvore que há um outono ela estava. Ela aproximou-se, procurando auxílio.
- Como não senhorita, nunca negaria ajuda a uma dama. - o jovem não teve dificuldades para romper as correntes já enferrujadas.
- Que houve contigo para lhe serem tão cruéis?
- Nem eu sei. Me prenderam pelo ódio talvez. - Perdeu seu tempo conversando com aquele rapaz, que via naquele rosto magro e exausto um rastro de beleza.
- Vou-me embora, obrigada, mas tenho que colher frutas para passar o inverno. Receio a fome outra vez.
Ele quis ser gentil e ajuda-la com as provisões para a estação fria.
- Obrigada senhor. Agradeço muito sua gentileza, mas não será preciso. Fique em paz, e mais uma vez obrigada.
Ela saiu andando, sumindo antes de cruzar o horizonte. Ele esfregou com força os olhos, até que sua perna pareceu mais pesada e surgiu sobre ele uma corrente sem ferrugem. Deparou-se com a jovem desmaiada, quase sobre si. Sem sequer pensar ele levou-a para sua casa, vestiu-a depois de um banho, esquentou uma sopa e deixou-a em paz nos braços de Morpheus.
- Bom dia Senhorita.
- Eu falei pra me deixar na clareira.
- Mas que agradecimentos são esses? Salvo-lhe a vida é assim que me retribui? Nem um sorriso eu recebo como agradecimento?
- Salvou-me porque quis. - Ele olhou-a por dentro e ela sentiu remorso pelas palavras recém ditas - Desculpe-me, eu não medi o que falei. - Baixou a cabeça.
- Não fique assim foi apenas uma brincadeira. - Ele procurou segurar-lhe a mão. Sabia que és mais bela quando sorri timidamente? - Ela agradeceu a gentileza desviando o olhar sem graça.
- Obrigada, mas não sou digna de seu afeto. - Soltou as mãos quentes.
- Eu acho que já nos conhecemos não é mesmo? - fixou os olhos nos dela, procurou vê-la mais de perto, caçou vestígios de uma face familiar.
- Elle? É você? - Ela desviou o olhar, baixou a cabeça, procurou não encara-lo de frente.
- Elle? Nem acredito, te procurei tanto, em tantos lugares. Te ver assim, na minha frente, parece até... inacreditável.
Ela tocou as conhecidas mãos de Hanrry, tentou encara-lo, mas não conseguiu, pegou-as, então, com mais firmeza.
- Eu sinto muito, muito mesmo... - Ia virar-se para sair.
- Não! - puxou-a pelo braço - esperei demais para você simplesmente sair, sem dar explicações. - Tocou-a na face, levemente e com suavidade. - Ainda é lisa como uma uva.
Os sorrisos encontraram-se, marcando uma leve lágrima. Foram tocando-se suavemente, um rosto junto a outro, um beijo na ponta dos dedos, palavras infantis.
Eles sentiram as palmas mais quentes, olhos brilhavam e sentimentos ficavam ao vento. Deliraram, por um pequeno segundo.
A ventania sacudiu as janelas... um sinal. Elle tirou a mão que descansava sobre o peito de Hanrry.
- Não há mais tempo, vamos acordar do sonho.
Elle voou, sozinha pelo vento cortante. Nos bolsos dele apenas uma corrente enferrujada e em seus braços um corpo em frio de inverno, inverno do passado.

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