In the Rain

terça-feira, 8 de fevereiro de 2005

Eterna Infância


Acordou no meio da madrugada, estava meio frio mas e ele já tinha sido coberto. A janela tinha se fechado, sozinha, como num passe de mágica, a luz estava apagada, o livro fechado sobre o criado mudo. Peter Pan, a história favorita dele, cansou-se de pedir para a mãe contar. Dormira há pouco enquanto revia as ilustrações do livro. Estava sonolento ainda, nem se levantou, adormeceu outra vez, sonhando com a Terra do Nunca.
Pedro era um menino que vivia numa família boa, classe média, tinha quase tudo o que queria: brinquedos, diversão, mãe boa, pai legal, amigos e uma namoradinha
de infância. De cara feia era a coisa mais linda do mundo. Rancoroso? Ah, um amor. Sorrindo? Nossa! Um anjo! Quando a vovó pedia um beijo ele estalava-lhe um bem gostoso na face, e dizia alto:
- Vovó, você é a melhor avó do mundo, eu te amo sabia? - Ela sorria gostoso, e soltava o menino no chão para ele correr e brincar, estava sempre ativo.
Começou a crescer, mas nunca conseguiu largar dos brinquedos. Com 11 anos quase todos os amigos já tinham deixado os bonecos e tudo mais pelo futebol. Pedro também jogava, mas passava ainda horas sentado vendo desenho animado, estava muito
longe das responsabilidades, queria ser criança para sempre.
- Querido, não vai doar este livro?
- Ah mãe, este não pode, é o do Peter, o que eu mais gosto.
- Mas meu amor, você tem vários outros mais novos, esta história você sabe de cor. Vamos doar este daqui meu bem.
- Mas mãe? - Ela não insistiu mais, o menino não estava preparado para
isso, e talvez nunca estivesse.
Pedro foi crescendo e cresceu. Os amigos já tinham esquecido as coisas da infância, claro, gostavam de desenho e histórias em quadrinhos também, mas de uma outra forma. Se divertiam com jogos, mas era diferente. Eles falavam de mulher, de confusões adolescentes, conflitos em casa, de beijo, de sexo (mesmo que ainda a maioria ainda não tivesse a primeira experiência) de outras coisas. Pedro passou simplesmente a ignorar tudo isso, fingia que os hormônios não tinham efeito, deixava de lado muitas coisas. Ainda sonhava com a terra do nunca, com o dia em que o jovem Pan viria busca-lo para entrar em sua aventura. Dormia sempre com a janela aberta, e quando as pessoas perguntavam o que ele queria ser quando crescesse a resposta era a mesma:
- Eu não vou crescer, vou ser criança para sempre.
Não queria ter saudades da aurora da vida, da infância querida como tinha Castro Alves, queria estar sempre na infância, não sofrer, não ter problemas, ter o mesmo amor pueril e inocente de sempre. Queria que todos sempre gostassem de sua cara emburrada, de seu sorrir angelical.
A mãe levou-o ao psicólogo, sem resultados, tirou o Peter Pan dele, não adiantou, achou que talvez o tempo o curasse, achou que talvez uma namorada pudesse
mudá-lo. A namorada chegou a aparecer, bonita, simpática, amiga. Mas nenhuma mulher nasceu para ser a Wendy de um jovem sonhador. Ele ainda queria aquele amor simples, amor por amor, amor fácil, amor de criança. Pedro gostava dela, mas era diferente, ela precisava de mais, do amor difícil, com compromisso, talvez sentisse até mesmo falta da pressão, das cobranças.
Pedro aos poucos foi deixando de ser belo, não pela aparência física, mas pela

aparência mental. As caretas já não agradavam mais. De bonitinho passou a ser esquisito, excêntrico.
Precisava de emprego, estava na hora, mas queria trabalhar apenas quando desse vontade, (como enxugar a louça quando a avó não pediu e você quer mostrar o quanto gosta dela). Foi ficando sozinho, os amigos não podiam acompanhar aquilo, as crianças o achavam muito grande para brincar com elas. Ele até tentava o mundo real, mas o seu era tão melhor, tão mais fácil... era tão melhor ser... ser apenas um garotinho.
O tempo passou, os pais morreram, desgostosos, velhos, chateados, sem orgulho daquele menino tão bonito e tão sem rumos. Pedro pensou que esse dia nunca fosse chegar, mas chegou. Pensou que tudo seria como nos livros, aonde a morte não tem solução, mas tem jeito. Olhou finalmente para os lados, estava sozinho, embora fingisse não enxergar. Era o garoto esquisito, solitário. Os amigos da família o ajudaram, mas seria o pobre garoto sem pais e sem amigos somente por alguns dias. Aos poucos ele foi ficando mais e mais só. Alguns diziam que não tivera infância, outros preferiam não dizer nada.
A casa ficou escura, silenciosa. Ele não tinha trabalho, e hesitou quando ofereceram um. Resolveu voltar para a vida normal, a vida de menino. Saia de vez em nunca, somente para ir ao parque ou comprar doces. As pessoas o achavam louco, mas ele sempre as cumprimentava sorrindo, como uma criança, gostavam de Pedro, mas sentiam dó. Chegava em casa, abria os pacotes de doces, comia quase tudo de uma vez e deixava largado o resto.
Naquela noite fria de vento forte, ele repetiu o ritual. Tomou banho sem
guardar os brinquedos, comeu um doce escondido antes do jantar. Olhou as estrelas pensativo depois de ver o desenho animado "Quando você vem me buscar?" pensou meio triste porém esperançoso. Deixou a janela aberta, cobriu-se e adormeceu. Pedro voou sozinho, cortando os céus, talvez tivesse ido para a Terra do Nunca, certamente não voltaria mais.

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