In the Rain

terça-feira, 14 de setembro de 2004

Segredos


Carlos caía, e o um certo desespero meio louco tomou conta de si como um todo. Os olhos esbugalharam-se, o ar faltou e ele não tinha mais o que fazer. Um tranco, de repente, barulho, olhou para si caído no chão abraçado ao travesseiro, tremia. Levantou-se muito assuntado, pudera, um pesadelo daqueles se repetindo várias noites.
Foi ao espelho, escovou os dentes, lavou o rosto, metodicamente ajeitou os cabelos e colocou as lentes, limpas e bem guardas na sua caixinha. Desligou o despertador que ainda guardava cinco minutos até tocar.
Estava sozinho em casa, para sua paz a mãe saíra cedo para trabalhar. Comeu suas duas habituais torradas, um copo de leite e fruta da estação. Estou novo, pensou consigo abrindo um sorriso bobo daqueles que ainda tem alguma esperança na alma. Saiu no horário de sempre, nem um minuto a mais, nem a menos. Voltou para casa na hora correta, sem atrasos, sem preocupações.
Carlos era organizado, o filho bonzinho, destes que toda a mãe sonha em ter. Boas notas, cuidadoso, dava a atenção específica para tudo. Não reagia aos ataques de estresse que a mãe tinha, sempre apartava brigas, não respondia às broncas. Era fechado, mandado, pobre, infeliz muitas vezes, porém esperançoso.
A vida tinha que ser certa, não só a sua, mas a de todos. Espantava-se com os casos das famílias "imperfeitas", queria esposa correta, para casar, para ser nos costumes. Esta era sua forma de auto-confiança, seu jeito de aparecer.
Chegou mais "tarde" uma noite, eram sete horas, um verdadeiro absurdo. A mãe não poupou as cordas vocais, filho meu não fica na rua até tarde, pensa que é quem ein moleque?! Os olhos dele baixaram ainda mais, ficou muito melancólico.
Dona Elaine era a típica boa mãe, prestativa e também metódica. Casada, bom casamento, profissional bem sucedida. Estressada sim, e muito, mas religiosa e boa senhora. Nada melhor para uma mãe tão competente como um filho perfeito, de notas exemplares, a imagem da família maravilhosa.
Não gostava muito de sair, preferia a casa, seu canto, mas a idéia da festa, embora não tivesse gostado tanto, pareceu boa quando os colegas insistiram para que ele fosse. Passou até perfume, saiu animado e arrumado. Lá não dançou, não gostava e não sabia, ficou sentado, curtindo sozinho enquanto os amigos ficavam na pista. Este não é meu mundo, não é para mim, pensava enquanto balançava no rítmico de lá para cá. A música ficou mais alta, barulho, baderna, e Carlos o contraste; sentado no seu balanço mole, o som ensurdecedor, e Carlos quietinho.
Frango, moça, estranho, nerd, bizarro. Era esta a rotina, o que ouvia, vida sua cheia de solidão. Estava olhando perdido para toda aquela gente, quando uma voz já um pouco embriagada disse com tom muito pejorativo: Vai ficar aí sentado muito tempo fazendo a mala ou vai sair logo daí? Carlos levantou apenas os olhos deixando a cabeça baixa, não respondeu nada. Ouviu ainda uma série de palavras em xingamento e nada fez. Cansado cedeu o lugar, deixou o resto do suco ainda no copo sobre a mesa. Folgado e provocador o rapaz ainda esbarrou os dedos no vidro, deixando que derramasse sobre a roupa de Carlos. Olha só, me desculpe, disse irônico com os ares de um garotinho mimado, me desculpe, e ria solenemente. Você não quer comprar outra bebida para você? Quem sabe aproveita e não compra uma para mim? Muito assustado com aquela situação e todo atrapalhado Carlos foi até o balcão, confundiu-se na hora de fazer o pedido e trouxe uma batida de qualquer coisa com uma tal de Vodka da primeira marca que tinha para escolher. Foi agradecido com um empurrão e um cortes tapa nas costas.
Os olhos ficaram aflitos, caia novamente, o corpo remexia-se todo, a sensação era horrível. Outra vez o mesmo pesadelo, outra vez o arrepio pelo corpo. Antes que chegasse ao chão tocou o despertador, um novo dia, e ele levantou-se como sempre, indo ao banheiro e lavando o rosto. Seguiu metodicamente sua rotina, mas desta vez foi verificar o jornal no quintal. Tomou café, e alguns minutos antes de sair verificou as notícias do dia. Leu cautelosamente: "Jovem morre no hospital envenenado por tomar um drinque de uma danceteria". Estou novo, pensou consigo abrindo um sorriso bobo daqueles que ainda tem alguma esperança na alma.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]



<< Página inicial