In the Rain

quarta-feira, 1 de setembro de 2004


Esse texto é meio velhinhu, tem continuaçao... mas o primeiro cap eu gosto...

Asas de Sangue
11/12/2002

I

A floresta, imponente, rodeava a cidade. Era estação de caça, todos estavam empolgados a procura dos ursos. As crianças brincavam, junto aos pais. Os pobres animais, desesperados, corriam pela floresta, amedrontados.
Recolhida em seu leito, tocava lira., espalhando pelos cantos o som angelical de sua música. O sol, que antes ali brilhava, deu lugar ao vento de finzinho de tarde e a neblina, costumeira do horário, apareceu. Distraída ela ficou a tocar. Nem viu as horas, quando finalmente resolveu levantar-se para voltar até sua casa, deparou-se com o vento gelado cortando sua pele e a sua volta as estrelas da noite. A neblina ocultava a trilha que daria caminho a cidade. A floresta certamente estaria repleta de ursos furiosos. Sair andando naquele momento seria uma péssima idéia. Estava só, tinha medo. Achou prudente encostar-se numa pedra, assim estaria um pouco mais segura e evitaria os ursos. Enquanto o sono não vinha (se é que iria conseguir adormecer) ficou a tocar, baixinho, sua lira. Estava, só, estava perdida, mas mantinha a calma. Sua doce música invadiu a floresta, repleta de figuras lendárias, beijou cada flor, fez as árvores balançarem, fez o vento cantar junto consigo. Os ursos, logo que ouviram aquele som, puderam dormir em paz, e as criaturas lendárias deram uma festa.
Estava cansada, os dedos, lentamente, foram parando de puxar as cordinhas, a cabeça foi sendo inclinada. E, como se voltasse a ser uma anjo, adormeceu.
A madrugada era quieta, mas o silêncio foi quebrado por passos desordenados pisando sobre as folhas secas. Uma criatura adentrou a clareira, olhou para os lados. Dormia, ao lado da pedra um anjo. Curioso aproximou-se, farejou o ar. Olhou a mulher, soltou de seus dedos a lira e muito desajeitado tirou algumas notas. Ela levantou-se assustada com a criatura.
- Solte-a - puxou a lira.
O monstro rugiu, acordando a floresta, mas arrependeu-se ao ver aqueles olhos lindos amedrontados.
- Quem é você afinal? - perguntou ela timidamente - O que quer comigo? E deixe minha lira em paz!
Cabisbaixo ele respondeu:
- Desculpe, não queria assusta-la. Melhor eu ir embora, as missões me chamam.
- Espere, não precisa ficar assim, não estou brava. - Ela sorriu, docemente - fique aqui comigo, estou com medo. - Tirou a capa branca e pôs no chão para que ele também se sentasse. Ele pensou em recusar, mas aquele olhar angelical o hipnotizava. Nunca havia sentado-se ao lado de uma mulher tão bela. Aquela boca de cereja, a pele, dourada, da cor do sol. As vestes, longas, num tom esverdeado, os cabelos, levemente presos caídos pelo ombro. Nem sabia o que dizer. E ele, uma criatura feia, ali recolhendo-a num abraço de proteção. Assim que ela dormiu ele levou-a a cidade. Ficou com vergonha de mostrar-se a todos daquela forma, seria escorraçado. Apenas deixou-a sob a sombra da mais bela árvore, descansando em paz.
Raiou o dia e encontraram-na adormecida ali. Levaram-na até sua casa, onde ficou repousando. Assim que despertou encontrou-se confusa, seria um sonho? Olhou sua vestes, havia algumas folhas grudadas. Procurou pela lira, não encontrou, sorriu, era verdade.
Pela floresta a fera fugia. Tinha medo da fúria dos mortais. Em mãos tinha a lira. Nem sabia o nome do anjo que poderia tirar alguma música daquele instrumento. Na pequena arpa havia algumas escrituras. Tentou decifra-las, e depois de muito esforço leu "Luna". Foi à montanha mais alta, onde também escondiam-se os ursos. Observou a cidade. Guardou consigo a lira. Tinha uma motivo pra voltar, um motivo para revê-la. Poderia pedir para que tocasse uma música. Era um pretexto para ver a boca de cereja, o olhar de anjo. Poderia reencontrar a doce voz e sentir novamente a pele de seda que o envolveu num abraço. Mas teria que disfarçar-se, nunca uma criatura monstruosa seria aceita numa cidade humana procurando de um anjo caído dos céus.
Amanheceu o novo dia. A procura de Luna chegou um cavaleiro bem vestido. Olhos azuis, a única marca de um ser das trevas. Tinha em mãos uma lira. Os moradores da cidade, com suas línguas de cobra, iniciaram os comentários maldosos. Ouvia-se pelos cantos: "Você já viu esse daí?" e coisas do gênero.
- Quem é você a procura desta tão bela jovem?
- Meu nome só interessa a Luna, onde está ela?
- Qual o seu nome? - falou alto o morador da cidade
- Onde está Luna? - retrucou o cavaleiro, encarando a todos com seus olhos azuis extremamente poderosos.
O humano olhou para baixo, sem saber como reagir. Ficou num impasse, sendo incapaz de voltar a enfrentar aquele ser estranho. Uma voz ecoou no ar.
- Deixem-no em paz. Voltem para suas casas, voltem a viver suas vidas! Ele veio falar comigo e não com nenhum de vocês.
- Mas Srta. Luna, ele pode ser perigoso.
- Certamente o ser que me salvou da floresta não veio aqui para me fazer mal. Adem, apressem-se, voltem para suas casas e vão fofocar longe daqui.
Ficaram na casa de Luna a conversar.
- Desculpe-me esse mal entendido. A população daqui é extremamente arrogante com os estranhos, mas com o tempo aprende-se a lidar com ela.
- Como você me reconheceu?
- Vi a lira em suas mãos, além de seus olhos.
- Sinto pelo tumulto que causei.
- Você é diferente das criaturas das trevas. Tem um olhar de menino.
- Tornei-me um ao ouvir o som doce da sua lira.
- Qual o seu nome? que ainda não sei.
- Me chamam sempre de Night, é assim que vai me conhecer também. Acho que não tenho mais o que fazer aqui. Você é uma pessoa esplêndida Luna.
- Es... espere!!
- Não tenho mais nada a fazer aqui, vim apenas entregar-lhe a lira.
Ela baixou os olhos,
- Se é isso que deseja, vá, não posso dete-lo.
Ele olhou-a, quase chorando, os braços esguios trêmulos. Ficou sem reação. De repente puxou-a para perto de si,
- Eu não teria coragem nunca de deixa-la só. - Beijou-a, abraçando-a depois. Ela entregou-se ao abraço. Confundiu-se com aquela reação. - Vou embora agora, eles não me querem aqui, serei um fardo pra você.
- Não, ficará. Ninguém precisa saber quem você é de verdade.
- Mas e se souberem?
- Não vão saber se tomarmos os devidos cuidados.
- Mas e se descobrirem?
- Fugiremos juntos. - Ela sorriu, ele ficou ao seu lado, rindo também.
Dois anos correram, tornaram-se um casal misterioso. Todos passaram a ter receio ao conversar com Luna ou Night. Lendas começaram a surgir. Quando um deles saía de casa todos descarregavam seus olhares famintos.
Era uma noite, havia a costumeira neblina, fazia frio. Não havia estrelas, todas escondidas pelo céu encoberto. Luna sentiu a primeira contração. Era chegada a hora. Night estava feliz, porém aflito.
- Chame a parteira! Está doendo muito! - pediu ela.
Night sentiu algo estranho, temeu pela esposa, correu, desesperado, esqueceu-se de concentrar energias, estava na forma original, um descuido, pediu auxilio a parteira, era seu filho, que em breve ia nascer. Luna, ele só pensava nela, estava com muitas dores, Luna, Luna, Luna.... algo de estranho estava ocorrendo.
- UM MONSTRO!!!!!!!! - Gritou a parteira, acordando a toda a cidade. Night olhou para si, viu seu corpo de fera, um descuido. Pensou em Luna, voltou pra casa, correu.
- Luna, descobriram, fuja, fuja, eu a alcançarei.
- Vamos juntos.
- Vou pelo outro lado, nos encontramos naquela pedra.
- Não tenho forças, não consigo.
- Consegue sim, vamos, por favor. Pense no nosso filho!
Luna saiu pela porta dos fundos, levou consigo a lira. A multidão gritava, uma voz berrou em meio a todos:
- Achem Luna, o filho dela será um monstro também!!!
- Matem os três!!! - Berrava a parteira.
Todos correram, cheios de armas e tochas nas mãos. Luna, como havia combinado com Night ficou escondida atrás da grande pedra. Vieram mais contrações, estava doendo muito, Luna chorava, estava nervosa e apreensiva.
Night corria, teria que esconder-se, não poderia ir atras de Luna, tinha que esperar que o tumulto cessasse. Teve medo por ela. Algo lhe dizia que ela não estava bem. Correu, exausto, correu, Luna... Luna...
Fazia frio, estava escuro demais, as contrações, muito fortes, o vento soprava, com muita força, medo... Estava acalmando-se, ele já vem, pensava consigo. "Ele já vem", dores, chorava, desesperada. Ouviu um tiro, dois, três, gritos em meio a floresta, ouviu seu nome, ouviu o vento, dor... O coração apertou. Ventava, doía o peito, a alma. As lágrimas incessantes escorriam pelo rosto. Night, dor, estava só. Era intenso demais, fazia força, tentava, não conseguia. Nasceu o filho, uma menina. Luna acomodou-a próximo ao peito. Choro do bebê, choro da mãe. Sangrava o coração, o líquido escarlate sujava as folhas. Doía, muito, ventava. Luna não tinha mais forças. Deitou-se, protegendo a menina com a capa já suja. O sangramento não cessava. A alma, o corpo, totalmente debilitados. Deitou-se, fechou os olhos, a dor foi passando, dormiu, eternamente. Era uma madrugada, frio, vento, solidão...

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