In the Rain

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Exílio



- Eu já estou pronto.
- Você sabe que não é assim
- As coisas já chegaram ao ponto crítico.
- E?
- Me deixe em paz.

Nos telhados de barro ouviam-se os acordes da chuva. As folhas desprendiam-se e tapeteavam o chão. As pessoas corriam para chegar em casa, chovia, chovia e chovia.
Eu nem sei há quantos anos moro nesta casa, mal me lembro onde foi que nasci. Antes eu falava outras palavras, outros sons, mas nunca mais me permitiram dizê-los a ninguém. Quando eu mudei para cá eu joguei fora os cachecols, deixei também empacotados os grandes casacos, passei a andar mais descalça. O que eu me lembro é que não há lembranças, não há imagens que eu queira deixar guardadas.
Às vezes me perguntam uma palavra ou outra na minha língua. É estranho, eu nunca a esqueci, mas passei a temê-la. E pensar que um dia eu tive uma língua minha. Aqui não me proíbem exatamente de falá-la, mas eu sou esquisito, sou afastado, sou indigno. A minha pátria não existe mais. Meus pais não tem história, minha vida não tem registros.
Voltei uma vez. Disseram-me que era seguro, que não havia mais soldados nas ruas. Não me contaram que as casas também tinham fugido, deixaram-me acreditar que o tempo ficara congelado no dia inexistente. Voltei para nunca mais voltar. Apaguei, como tanto já fizera, aquelas imagens tristes.
Hoje chove, e lá os telhados eram de madeira, não de barro. Eu não vou mais voltar, as palavras exiladas já me fogem da cabeça quando alguém as pergunta a mim. No fim, eu nunca esqueci, mas aqui os acordes são diferentes, a música é outra, não há neve. Eu nunca mais vi a neve... eu não sinto falta dela, nem de mais nada, porque eu não me lembro, porque nunca existiu.

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