In the Rain

segunda-feira, 23 de junho de 2003

Matar-se aos poucos



Caminhava sem rumo por sua longa trilha. Já lhe doíam as pernas. A memória vinha de leve, vazia junto com a mente. Olhou de relance e quase não acreditou em seus olhas. Imaginou que poderia ser uma ilusão. Viu-o, recostado na árvore; a boca tensa, os olhos grandes, preocupados, o corpo tencionado. Ele pareceu não a ver, ou pelo menos foi o que fingiu. Virou-se de costas e continuou a olhar para o nada. Ela pensou em brincar, talvez tapar-lhe a visão e faze-lo adivinhar. Hesitou, resolveu simplesmente tocar-lhe de leve na cintura. Ele abriu bem os olhos, assim como quem não sabe se o que está vendo é real. Ela ficou quieta, em um longo silêncio; logo em seguida disse "oi" de mansinho. Iniciou-se, então, uma suave conversa, suave até demais. Estavam quietos, como se não soubessem o que dizer um ao outro. Ela fingia, sem querer, estar de bem consigo. Ele fazia caras e bocas, mas nada parecia ser convincente de que estava tudo ótimo. Nenhum dos dois sabia onde aquele assunto sem rumo queria chegar. Talvez faltasse uma pitada de sal naquela conversa. Era início de noite, noitinha, e ventava como o outono. Papo gelado, palavras soltas ao frio do início de inverno.
Eles andaram, razoavelmente, mas o frio era sempre frio. Batia a porta uma leve solidão. Pararam um segundo, para seguirem por caminhos opostos. Tinham assuntos para terminar. Ficaram meio quietos, silenciosos sorrisos. Tocaram-se aqueles braços, de leve, levezinho. Andaram, só mais um pouco, ele tocou no assunto:
- Temos uma conversa pra terminar.
- Sim, nós temos.
Foram assim, secos. Puxaram-se então para um canto, encostados do lado da seringueira.
- Eu não podia ouvir aquilo mais uma vez, de novo. Soou como tortura. - Dizia ela.
- Mas você nunca realmente me respondeu. Eu gostaria apenas de saber.
- E você? Alguma vez já me respondeu?
- Já! Mas sei lá, quando é a sua vez você fica me enrolando.
- Eu queria apenas que você entendesse. Queria apenas que soubesse o quanto é difícil pra mim falar de sentimentos. As vezes mesmo que eu queira, não saem as palavras, elas somem.
- Eu sou o contrário, falo mais do que devo. Poxa, você é muito pé no chão. É estranho, perece que nunca voa.
- Eu tenho asas sim, e sei voar, mas tenho medo, de cair de novo de lá de cima. Medo de novamente me acertarem uma pedrada.
- Mas sei lá. Essa situação toda. Não lhe causou desânimo? Pois a mim sim. Parece quem estamos ficando (um na vida do outro) em segundo plano. Veja, falamos tanto e nada dissemos, nem parecemos estar juntos. Sei lá essa não nos vimos e nenhum de nós tomou a iniciativa. Poxa! Faz tempo que a gente não vê, vamos ao cinema. Viver no quando der não dá.
- Se...
- Eu sei que você falou que se ver todo dia não dá certo, mas não se ver nunca, também não dá.
- Não é assim também, pense, nossos horários não coincidem. Fica difícil.
- Eu sei, eu sei, mas talvez fosse uma questão de refletir atos. Eu desanimei, e mal sei o que penso sobre isso.
- Se nem você sabe o que pensa sobre isso, como posso saber. Baixaram os rostos, devagar, e procuraram uma forma de falarem bem. As palavras haviam lhes fugido da boca.
- Você já vai? - perguntou ele mostrando as horas.
- Não, quero ficar só mais um minuto com você.
Começaram a tocar-se, de leve. Um beijo ralo, no rosto um carinho sutil, sem vida.
- Ainda está bravo?
- Bravo não... - ela baixou os olhos e encarou, sem medo, seus olhares. Um beijo fugido, uma abraço em teatro. Fazia frio, forte de inverno.
Falaram mais um pouco, pouco mais. Ela decidiu ir embora remoída, triste. Deram, então, adeus, e explodiu aquele beijo seco de lábio junto a boca.
- Não desanima - Ela falou soltando de leve aquele braço.
- Relaxa. Esquece isso - Respondeu.
Doeu, pegou no peito, mas um pouco, foi além da alma. Fazia frio e o vento parecia com o outono, e ela, que tanto medo tinha de se ferir havia sido cortada pelo ventar e acabou sem querer ferindo os próprios pulsos.

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