In the Rain

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Clausura


Eu quis tocar o sol mas ele disse que não, disse que era impossível, que o mundo lá fora era perigoso. Eu chorei, gritei, bati o pé. Ele nunca gritou comigo, nem por isso me entendia. Eu briguei, fiz escândalo. Ele me pegou pela mão, me deu um beijo no rosto, me acariciou os cabelos. Era para eu não ter medo, dizia baixinho ao meu ouvido enquanto fazia cafuné. Falava que nunca ia me deixar, que não queria me perder e temia o que poderiam fazer comigo. Eu me perdia no colo dele e quando acordava já estava quentinha e coberta na cama, a luz tinha sido apagada, ele não estava mais ali.
Pela manhã tomávamos café juntos. Ele trazia bolos, bolachas, tudo o que eu gostava. Nos dias especiais jantávamos algo diferente. Mesmo assim conversávamos pouco, ele era calado e discreto.
Ele me ensinou a ler bons livros, a desenhar meus sonhos, a escrever minha vida. Ele me deu tudo, mas sempre repetia que eu não poderia sair porque era perigoso, era proibido.
Brigamos inúmeras vezes, mas era sempre eu quem levantava a voz. Ele sempre pedia desculpas. Alguns dias trazia presentes, noutros mal falava comigo. Eu também não gostava de brigar, mas nunca pedia desculpas.
Quando eu saí de lá eu pretendia voltar. Ele era minha família, meu amigo, meu professor. Mas eu fiquei com medo, saí correndo, contei para alguém; e ainda não sei se fiz a coisa certa. Num só dia senti o sol, o vento, as pessoas passando de lá pra cá, o barulho do mundo deste lado. Tive mais medo que na minha vida toda.
Hoje eu não sei onde estou, muito menos porque vim parar aqui. Ele foi meu pai, meu irmão, meu amante. De uma hora para outra minha vida passou a ser somente minha e de mais ninguém. Eu nunca fui capaz de amá-lo, nem por isso odiava

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